Antes de entrar no estudo, de fato, faz-se notório abordar o contexto histórico que proporcionou um sentimento, o de dividir os poderes do Estado. O pensamento de dividir os poderes nasce na Grécia antiga através da obra “Política”, de Aristóteles. Nela, abordam-se três funções do poder: a legislativa (produção de normas), executiva (aplicação de normas) e de julgar (dissolver conflitos decorrentes da aplicação de normas).
Nessa época, a administração pública era de forma absoluta, ou seja, um monarca detinha um poder ilimitado, sobre todos, o que proporcionava um ambiente para decisões arbitrárias. Desse modo, a análise do pensador grego não representa por completo o atual pensamento da Tripartição de Poderes, pois se define, apenas, na divisão das funções do poder estatal, e não em sua limitação. Ou seja, ele apenas identificava as funções do Estado, deixando de fora a sua limitação.
Com o passar do tempo e a eclosão de grandes ideias liberais, a exemplo do movimento iluminista, a figura do governo absolutista vai perdendo espaço, e o povo pressionava, cada vez mais, por uma sociedade mais justa, igualitária, sem detrimentos e desvantagens. Um pensador que marcou de grande maneira esta época foi o francês Charles Montesquieu, que em 1748 elaborou “Do Espírito das Leis”, o qual pregava a ideia da não centralização dos poderes (legislativo, executivo e judiciário) nas mãos de uma única pessoa, ou seja, defendia a limitação do poder estatal. Para Montesquieu, os poderes deveriam ser separados e independentes, sendo administrados por órgãos distintos.
O pensamento do francês se firmou durante a Revolução Francesa, mais precisamente na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. Assim sendo, a Tripartição de Poderes está intimamente ligada ao movimento conhecido como Constitucionalismo. Este prega a limitação da atuação do Estado e utiliza como ferramenta, para obtenção da referida meta, a constituição. Ou seja, o governo deve ater-se aos pressupostos da constituição, e nela estão previstos os direitos e deveres essenciais para o bem da sociedade, o bem comum. A relação com o constitucionalismo se resume a uma frase: limitação do poder do Estado.
Montesquieu se inspirou nas ideias do filósofo inglês John Locke para iniciar seu pensamento. Confirma-se a contribuição do inglês, a seguir, através de Cunha Júnior (2011, p. 992):
Em tempos mais recentes, deve-se a John Locke a teoria original da separação dos Poderes do Estado, quando aquele filósofo inglês, na célebre obra Two treatises og government, surgida em 1690, sustentou os princípios de liberdade política da gloriosa revolução inglesa de 1688 e impugnou o absolutismo.
De certo modo, a divisão de poderes acima demonstrada é rígida, em que os poderes não se relacionam e são extremamente independentes. Porém, é preciso assegurar a unidade política, a decisão comum, coisa que a divisão rígida não transmitia na prática, onde decisões arbitrárias eram frequentes. Dessa forma, a rigidez foi progressivamente substituída por um caráter flexível, em que um poder poderia interferir em outro para evitar sentenças facultativas. É ai que entra em cena as funções típicas e atípicas de determinado poder.
Dois autores traduzem bem a transição de rígida para flexível e as funções “típicas” e “atípicas”. Paulo e Alexandrino (2011, p. 427):
A divisão rígida foi, aos poucos, substituída por uma divisão flexível das funções estatais, na qual cada poder termina por exercer, em certa medida, as três funções do Estado: uma de caráter predominante (por isso denominada típica), e outras de natureza acessória, denominadas atípicas(porque, em princípio, são próprias de outros poderes).
Significa afirmar que os poderes poderão intervir nas decisões entre si, realizando funções que não sejam de sua originalidade. Ou seja, o Poder Judiciário tem a função típica de julgar, dirimir conflitos, mas poderá, também, ter a função de criar normas jurídicas, a qual é papel do legislativo, assim como este poderá ter funções do judiciário, apresentando a forma atípica. O mesmo ocorre com o Poder Executivo em exercer funções do judiciário ou legislativo.
Isso não quer dizer que os poderes serão dependentes, subordinados, e sim que passarão por um maior controle por parte dos próprios poderes, de acordo com a forma prescrita na constituição. Desse modo, busca-se o equilíbrio e a harmonia entre eles. Esta é a ideia do sistema norte americano, o de “freios e contrapesos” (checks and balances).
Relacionando com o Constitucionalismo brasileiro, uma citação sintetiza com coerência tal interação. Segundo Cunha Júnior (2011, p. 993): “Todas as Constituições brasileiras consagraram o princípio da separação dos poderes como um dogma fundamental, essencial à existência e sobrevivência de um Estado preocupado com os direitos fundamentais.” Subentende-se que o Estado brasileiro defende o ideal democrático, um governo limitado aos trâmites constitucionais, em que o poder não será dividido, e sim irá apresentar uma divisão nas funções estatais, e que estas deverão interagir entre si para evitar o abuso e a arbitrariedade.
O objetivo primordial da atual divisão de Poderes é evitar a centralização do poder nas mãos de um único indivíduo ou organização e repartir as funções do Estado em poderes legislativo, executivo e judiciário. Comprova-se através do art. 2º da Constituição Federal: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.” Desse modo, possuem funções exclusivas e ao mesmo tempo funções inerentes a todos os outros poderes, para evitar, dessa forma, o abuso e tomada de decisões facultativas. Ou seja, um poder poderá interferir no outro, ressaltando-se que será dentro dos parâmetros constitucionais.
Segundo Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino (2011), por razão dos termos “Tripartição”, “Divisão” e “Separação” de Poderes serem incoerentes com a questão, pois o poder é uno e indivisível, o mais apropriado seria divisão das funções do Estado. Porém, por questão de forte tradição, aqueles termos ainda são amplamente utilizados.